A sétima onda de Fusões e Aquisições
A história das fusões e aquisições de empresas é provavelmente tão longa quanto o comércio em si, e é difícil determinar uma data de quando ocorreu o primeiro processo de fusão ou aquisição entre empresas na história. Entretanto, podemos enumerar algumas “ondas” de fusões e aquisições que ocorreram a partir do fim do século XIX.
As ondas de M&A provocaram grandes mudanças na estrutura do capitalismo mundial, ocasionando a transição de um ambiente de negócios composto por aglomerações de pequenas e médias empresas locais para a forma atual, com o mercado dominado pelas corporações multinacionais.
As ondas de fusões e aquisições geralmente são causadas por uma combinação de transformações, de ordem econômica, regulatória ou tecnológica, os quais são chamados “choques”.
Um choque econômico ocorre quando há uma expansão da economia que motiva as empresas a aumentar a produção para atender o rápido crescimento da demanda agregada, e os processos de M&A são uma forma eficiente de aumento da produção em alternativa ao crescimento orgânico. Choques regulatórios ocorrem através da eliminação de barreiras legislativas que impedem associações entre empresas, como por exemplo as mudanças nas leis bancárias norte-americanas que ocorreram em 1994, revogando o Bank Holding Company Act de 1956, que impedia os bancos americanos de operar em outros estados ou adquirir participação em empresas de outros setores de mercado. Já os choques tecnológicos podem ocorrer de diversas formas, pois uma nova tecnologia pode mudar dramaticamente a estrutura de um setor ou mesmo criar um novo segmento de mercado.
É importante destacar que as tais ondas de M&A também são muito influenciadas pela dinâmica do mercado de capitais. Fatores como a liquidez de capital no mercado, o custo do capital, ou mesmo o movimento do mercado acionário (grande número de IPOs por exemplo), são influências importantes no número de processos de M&A.
Primeira onda de fusões e aquisições 1890 – 1905
Foi no período entre a década de 1890 e início dos anos 1900 em que ocorreu a primeira onda de fusões e aquisições. Empresas dos Estados Unidos tentaram construir monopólios em seus respectivos setores, formando os chamados “Trusts”, uma forma extrema de integração horizontal (quando uma empresa adquire outra que produz o mesmo tipo de produto, ou seja, um concorrente que está no mesmo estágio de produção). Os exemplos incluem a criação de Standard Oil Company de Nova Jersey, em 1899, United States Steel Corporation, em 1901, e International Harvester Corporation em 1902.
O congresso americano reagiu à onda de fusões com a criação em 1890 da Lei Sherman Antitruste (Sherman Antitrust Law ou Sherman Act), que visava proteger os interesses dos consumidores através do combate aos monopólios, para evitar que os preços em determinados setores fossem controlados pelos conglomerados. Entretanto, o Sherman Act não teve o efeito desejado em seus primeiros anos de vigência, pois, durante o período de grande consolidação, o Departamento de Justiça americano, que era o responsável por aplicar a lei, não tinha pessoal suficiente para buscar seu cumprimento integral.
A título de exemplo, apenas em 1911 o Sherman Act colocou um fim na Standard Oil Co., empresa de John D. Rockefeller e maior conglomerado petrolífero dos Estados Unidos (na época refinava 84% do petróleo americano).
Nessa primeira onda, mais de 1.800 empresas se fundiram ou foram adquiridas no período de 1890 a 1905. A maioria das fusões que foram concebidas durante a primeira onda terminou em fracasso, pois não conseguiram atingir o nível de eficiência desejado. O fracasso também foi ampliado por uma desaceleração da economia americana em 1903, seguida pela queda das ações da bolsa em 1904, e, como foi mencionado, a real aplicação do Sherman Act tornou o ambiente legal mais hostil para as fusões e aquisições e inclusive impulsionou outras legislações antitruste, como por exemplo o Clayton Antitrust Act de 1914 que complementou os termos da primeira lei.
Segunda onda de fusões e aquisições 1926 – 1929
Com um ambiente antitruste mais rigoroso, a criação de monopólios foi dificultada pelo governo americano, e o que se viu durante a segunda onda de fusões foi a criação de oligopólios e diversas integrações verticais entre empresas (quando a fusão ocorre entre fornecedor e cliente).
Os principais fatores que originaram essa nova onda foram a grande disponibilidade de capital para investimento nos Estados Unidos, com o desenvolvimento ocasionado pelo boomeconômico pós-Primeira Guerra Mundial, e o choque tecnológico causado por inovações industriais, como na área de transportes, onde ocorria a massificação dos veículos automotores e o desenvolvimento das linhas aéreas de transporte de passageiros.
Essa foi a primeira formação em grande escala de conglomerados, e os bancos de investimento americanos participaram ativamente dos processos, executando um papel fundamental na facilitação das operações. Alguns exemplos de conglomerados criados na época são IBM, General Motors, John Deere e Union Carbide.
Embora a disponibilidade de capital originada pelas condições econômicas favoráveis tenha motivado o grande número de processos de M&A, ela também preparou o terreno para o crash da bolsa americana em 1929, que encerrou a onda e trouxe a chegada da Grande Depressão.
Terceira onda de fusões e aquisições 1965 – 1969
A terceira onda de fusões e aquisições foi caracterizada pela tendência de diversificação entre as empresas. Provocada também por um boomeconômico, que mais uma vez inundou o mercado com capital barato, essa onda de M&A ficou conhecida como Conglomerate Merger Period (período de fusão de conglomerados). Nessa época ocorreram transformações importantes na área de M&A, com operações que até então eram incomuns, como a aquisição de grandes empresas por parte de empresas de menor porte e o financiamento de operações por meio de ofertas iniciais de ações ou troca de equities.
Os conglomerados formados nesse período eram muito diversificados em termos de linhas de produto, em conformidade com a tendência da época, e muitos deles adquiriram empresas totalmente fora de sua área de negócios original. Podemos citar o exemplo da empresa de telefonia ITT (International Telephone & Telegraph) adquirindo a Avis Rent a Car (empresa de locação de veículos) e a Sheraton Hotels.
Um dos motivos da tendência de diversificação observada nessa época foi a atmosfera antitruste que havia se instalado nos Estados Unidos. A Lei Clayton de 1914 tornou ilegal a aquisição de ações de outras empresas quando tal fusão resultasse em grande redução do grau de concorrência dentro de uma indústria. Entretanto, a Lei Clayton possuía uma lacuna importante, ela não se opunha à aquisição dos ativos de uma empresa, apenas às ações. Com isso, o congresso americano aprovou em 1950 a Lei Celler-Kefauver, que reforçou as disposições da Lei Clayton fechando essa lacuna. Armado com leis mais duras, o governo americano adotou uma postura antitruste mais forte, e a alternativa das empresas foi formar conglomerados em áreas de negócio distintas.
A terceira onda terminou em meados de 1969, resultado dos esforços do governo americano em fragmentar os conglomerados e impedir novas fusões e aquisições que fossem consideradas prejudiciais à concorrência. Além disso, os conglomerados formados na época estavam apresentando fraco desempenho financeiro.
Quarta onda de fusões e aquisições 1981 – 1989
A tendência de queda nos processos de M&A que caracterizou os anos de 1970 a 1980 foi invertida bruscamente em 1981. Quando se iniciou a quarta onda, caracterizada pelo grande número de hostile takeovers ou tomadas de controle hostil, que tornaram-se um tipo comum de alternativa para crescimento das empresas através de aquisições. O que define se uma aquisição é hostil ou amigável é a reação do conselho de administração da empresa-alvo. Se o conselho aprovar a aquisição, é amigável; se o conselho se opõe, a aquisição é considerada hostil.
Tais ofertas costumam ser total ou parcialmente financiadas por dívidas ou mesmo por fundos de Private Equity, que entram como sócios nos negócios. Esses fundos ganharam grande relevância no mercado financeiro a partir dessa época, com destaque para o fundo Kohlberg Kravis Roberts, que adquiriu as empresas RJR Nabisco (empresa de alimentos industrializados e tabaco) e Beatrice (empresa de alimentos industrializados), que são avaliadas como duas das maiores transações no período.
A quarta onda de M&A também pode ser distinguida das outras três pelo tamanho e destaque das empresas-alvo, o que a caracterizou como a onda das “megafusões”. Algumas das maiores empresas dos Estados Unidos tornaram-se alvos de aquisição na década de 1980, como Gulf Oil, RJR Nabisco e Kraft. Os setores de maior destaque foram alimentos industrializados, óleo e gás e indústrias farmacêuticas.
O fim da quarta onda se deu em 1989, com o fim da grande expansão econômica dos anos 80 e início de uma breve recessão em 1990, que ocasionou o desmoronamento de diversas fusões concluídas nesse período. Outro fator importante que causou o fim da onda de transações foi o colapso do mercado debonds especulativos, que haviam financiado boa parte das aquisições.
Quinta onda de fusões e aquisições 1992 – 2000
Impulsionada pela globalização, o boomdo mercado de ações e o alto nível de desregulamentação, a quinta onda de M&A iniciou-se a partir de 1992. Foi um período também de grandes transações, mas, o histórico negativo de muitos dosnegócios altamente alavancados da quarta onda era bastante evidente, e por isso, as transações desse período tiveram um caráter mais estratégico e com foco nos resultados de longo prazo, assim como também não apresentavam alto nível de alavancagem, com a maioria das transações sendo financiada por uma combinação mais razoável de dívida e capital próprio.
A quinta onda de M&A foi de fato a primeira onda realmente internacional. Houve grande volume de negócios na Europa (principalmente a partir de 1998), na Ásia e, em menor proporção, na América do Sul; e os setores de destaque foram o bancário e de telecomunicações. A quinta onda de fusões terminou com o estouro da bolha no mercado de ações, no ano 2000.
Sexta onda de fusões e aquisições 2001 – 2008
A sexta onda de fusões e aquisições iniciou-se após a recessão de 2001, quando o crescimento econômico voltou à tona e havia uma inundação de dólares no mercado, graças aos estímulos do Federal Reserve (o Banco Central americano), que mantinha baixas as taxas de juros para estimular a economia.
As baixas taxas de juros também impulsionaram a ascensão dos fundos de Private Equity, pois tornaram as aquisições alavancadas mais baratas e, somado a isso, o mercado de ações estava em alta, o que ocasionou grande volume de capital disponível e um ambiente extremamente favorável para o número de transações de M&A.
As operações de M&A se multiplicaram com um ambiente de mercado com alta liquidez e capital barato, mas também geraram distorções, principalmente nos preços das empresas-alvo, que acabaram sobrevalorizados devido à grande especulação e falta de percepção de riscos, direcionou grande volume de recursos a ativos “podres”. A consequência foi a eclosão da crise Subprime em 2007, que secou o crédito e afundou o mundo em uma recessão, terminando também com a onda de transações.
A sétima onda:
No âmbito das finanças há pouco interesse na história da área de M&A, e é provável que muitos erros que ocorreram em períodos anteriores tendam a se repetir.
Entender a história, pode nos ajudar a identificar a proximidade a uma nova onda de M&A.
Neste ano de 2014, o otimismo parece estar retornando ao mercado, e o valor das fusões e aquisições em âmbito global atingiu 1,75 trilhão de dólares americanos nos primeiros seis meses do ano, um aumento de 75% sobre o mesmo período do ano passado e o maior volume de transações desde 2007.
O que se observa é que o ambiente de negócios após a crise de 2008, caracterizado pela aversão ao risco e foco em crescimento orgânico por parte das empresas, está se dissipando.
É fato que estamos vivendo uma era mais volátil em termos de crescimento dos mercados, mas as empresas estão começando a entender que esse mundo volátil é o novo padrão, afinal, sempre haverá guerras ou países com problemas em honrar os pagamentos de sua dívida soberana. Num ambiente como esse, talvez não seja possível se firmar apenas em crescimento orgânico e cortes de custos para entregar resultados financeiros consistentes. Os gestores parecem estar acreditando novamente que é mais fácil comprar crescimento do que construí-lo.
Marcos Cordeiro (marcos.cordeiro@camayapartners.com) é sócio da Camaya Partners.